quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Capítulo 1



Luz e Nós

Quarta-feira. 14 de setembro de 2011. Manhã. Onze horas. Lá estava eu, após quarenta anos, andando nas calçadas por onde me derramei na infância. Não do jeito como você pode estar pensando - que eu chorava - não! Mas me derramando de felicidade, por apreciar as coisas simples que somente uma criança consegue, mesmo que a vida lhe cobre duramente e nunca lhe tenha dado o que ela desejava: uma boneca, um vestido de chita com babados e laços, um par de sapatos de verniz, esmaltes e tudo aquilo com que uma menina de minha idade sonhava, naquela época. Ainda ficava feliz por poder assistir à televisão na casa dos vizinhos, que ora deixavam, ora diziam que não podiam abrir a porta. E lá ia eu para casa com a sensação de que olhar o céu cheio de pipas, da janela do meu quarto, era muito melhor do que os "Três Patetas", "Vigilante Rodoviário", "National Kid" e outros.
Rua Ana Néri, bairro Riachuelo, Rio de Janeiro. Somente voltei lá para pegar uns remédios que a justiça concedeu ao meu pai. Então, com passos lentos, bem devagar, andei nas calçadas e o tempo me trouxe de volta tantas coisas, tantas lembranças que aí, sim, chorei o que talvez não tinha chorado lá atrás, quando tudo parecia perfeito, embora nem de longe o fosse.
Dirigi-me até a Igreja Nossa Senhora da Luz, onde, aos domingos, assistia à missa com meus irmãos e, muitas vezes, sequer prestávamos atenção ao que o padre dizia, porque minha mãe nos obrigava a sair da cama bem cedo aos domingos, e lá íamos nós, os três, pela São Francisco Xavier até a Ana Néri.
Cheguei à frente da Igreja. Portas fechadas. Segurei nas grades, rezei e chorei. O silêncio trouxe de volta os cânticos dominicais e eu me vi com meus irmãos, sentada na primeira fila, olhando para os santos que ficavam no altar. Lá também estava o padre, barbudo, rezando em latim, e olhando os fiéis com um olhar que nos dava medo.
Sem ter conseguido entrar na igreja, dirigi-me até a rua Licínio Cardoso, que na infância, parecia muito longa e cansativa. Só agora pude ver que, o que eu andava para chegar até a Nossa Senhora da Luz, era um pedacinho de rua.
Atravessei a estação São Francisco Xavier e lá fui eu até o número 892, casa 4, da rua que recebe o mesmo nome da estação.

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