sábado, 26 de junho de 2010

Coração Aflito

Eu tinha aproximadamente oito anos e me sentia meio nômade, sem saber exatamente o significado da palavra.
Vivi em muitas casas, conheci diversas pessoas, passei por vários lugares. Porém, de todos, o que mais marcou minha vida, sem dúvida, foi Monte Dourado, em plena floresta amazônica.
O lugar não se parecia com nenhum outro deste mundo. Era mágico! Nenhum outro céu possuía tantas estrelas! E que estrelas! Que brilho!
Aprendi a gostar do barulho do silêncio que vinha das matas, a acreditar na lenda do Caipora e a amar e respeitar profundamente a natureza, que nos ensina a renovação da vida, mostrando-nos todo o equilíbrio nela presente.
Dessa forma, tornei-me, pois, filho da terra, mesmo sabendo que meu tempo ali era determinado.
E assim foi.
Os dias que antecederam minha partida para São Paulo foram carregados de emoção. Sabia que nunca mais voltaria àquele lugar, que não mais nadaria nas águas dos igarapés, que, dali para frente, só teria contato com preguiças, capivaras, araras, papagaios e tantos outros animais, através das grades dos jardins zoológicos das grandes cidades.
O Beiradão ficaria gravado na minha memória, assim como o Jari e tantas outras imagens.
Entre beijos, abraços e lágrimas despedi-me do amigo Pedrinho, meu companheiro de aventuras.
Sabia que dificilmente nos veríamos. Ele ainda ficaria por lá, sonhando e brincando com o Caipora, correndo dos animais que ora apareciam surpreendentemente nos quintais de nossas casas, ora atravessavam a única rua que dividia o lugar.
Além disso, imaginava ainda que, quando eu estivesse me sentindo oprimido e espremido num apartamento de um bairro qualquer de São Paulo, Pedrinho estaria solto, livre, escutando e tentando adivinhar a que pássaro pertenceria tal canto, brincando próximo às matas, pescando ou nadando num dos encantados igarapés, ou simplesmente vigiando o crepúsculo na floresta. Ah, e meu pensamento de menino-homem buscava conforto para um coração aflito.
Na verdade, não queria deixar de ser filho daquela terra, irmão daquela gente, mas, acima de tudo, não queria perder tanta emoção, alegria e meu amor pela natureza.



(Bernardete Ribeiro - 1997)

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