sábado, 1 de maio de 2010

Arte de ser Feliz II



Eu era uma menina pobre, do subúrbio carioca, e feliz por ter um mundo colorido, fora da janela de meu quarto. Era tudo o que eu tinha naquela época.
Com os cotovelos apoiados no parapeito, passava horas a fio sonhando com um mundo que eu jamais tivera. Mesmo assim, experimentava um universo colorido, com um sabor eternizado em minha memória.
Houve um tempo, na minha infância, em que de minha janela eu podia observar não só o tempo, que passava preguiçosamente, mas também o céu, de um azul intenso, carregado de nuvens de algodão, que se transformavam, magicamente, em desenhos que somente eu conseguia ver. E eu era muito feliz por ter tudo isso comigo.
Houve um tempo em que de minha janela via uma horta e de cada canteiro podia sentir o frescor dos legumes e verduras que lá cresciam. Nessa horta, havia um espantalho que confundia os únicos ladrões de minha infância: os pássaros. E vê-los atrapalhados, com medo, causava-me risos. E eu era feliz por viver esses doces momentos de minha vida.
Houve um tempo em que de minha janela soltava pipas feitas por mim, com folhas de velhos cadernos, rabiola e cabresto de piaçava, para melhor voarem e debicarem. Em nada se comparavam às coloridas, lá longe, no céu. Porém, vê-las subir, mesmo a uma curta distância, fazia-me extremamente feliz.
Houve um tempo em que de minha janela via, muito longe, o Cristo Redentor... Nos dias em que o céu estava azul, mais nítido ele ficava. Quando minha mãe se zangava, eu pedia a ele que a fizesse sorrir, para se tornar menos dura com a vida, conosco, mas sobretudo com ela... Muitas vezes eu o contornava no ar como se quisesse tocá-lo. E eu era feliz por sentir Deus tão pertinho de mim...
Houve um tempo em que de minha janela podia ver aviões, indo e vindo. Imaginava o que dentro deles acontecia e quem neles viajaria. Eu me perguntava como aquilo podia voar. Eu também queria voar... Então, fechava os olhos e voava em pensamento. E eu era plenamente feliz por sonhar que estava voando...
Houve um tempo em que de minha janela via meninos jogando bola de gude e "marraio feridô sô rei!" ficou guardado em mim. Eu era feliz por vê-los jogar e explodir de alegria quando ganhavam o jogo...
Houve um tempo em que de minha janela via crianças pulando amarelinha. Imaginava o que sentiam quando conseguiam "chegar ao céu" com a casca da banana. Nessas horas, também eu lá chegava, porque me sentia completamente feliz por sabê-las tão felizes.
Houve um tempo em que de minha janela aprendi a contemplar e amar pequenas coisas que só os olhos das crianças conseguem enxergar, talvez porque Deus lhes ofereça tudo aquilo de que nos desfazemos quando nos tornamos adultos.
Houve um tempo em que de minha janela eu sabia o que significava ser feliz.
Bernaredete Ribeiro - fevreiro/2007

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